quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

pena

com uns cinco quilos no olhar, ele me encarou duro por alguns segundos. eu preferia que falasse, que gritasse, que xingasse, que avançasse em cima de mim em descontrole. mas ele limitou-se a puxar um pouco de ar, entreabrindo a boca como quem vai começar a dizer algo, e em seguida desistir num suspiro. encolheu um pouco os ombros, desviando o olhar para o chão, e saiu, me deixando deserta e culpada sem castigo. eu merecia sua raiva, raiva que ele reprimiu e não me deu. ele não me deu o que eu merecia! me senti um pouco insultada. que gritasse! que xingasse! mas me deixou ali, sem dizer palavra, segurando um certo impulso de correr atrás dele pra reivindicar o que era meu: vá!, me chame dos nomes que você tá pensando, me mande pros lugares que você tá pensando. mas ele me deixou sem castigo e isso me atormentou a noite inteira. chorei sem fim, ele havia ido embora em silêncio e eu sabia que barulho era raiva, mas silêncio era mágoa. eu o havia magoado e não me sentia capaz de perdoar a mim mesma por isso. passaria a vida inteira devotada a ele, perdoando-o sempre, aguentando suas ausências, seus caprichos, seu humor. não saberia dizer um não a ele, assim como não saberia dizer adeus. era a minha pena.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

de ontem em diante

"De ontem em diante serei o que sou no instante agora
Onde ontem, hoje e amanhã são a mesma coisa
Sem a idéia ilusória de que o dia, a noite e a madrugada são coisas distintas
Separadas pelo canto de um galo velho
Eu apóstolo contigo que não sabes do evangelho
Do versículo e da profecia
Quem surgiu primeiro? o antes, o outrora, a noite ou o dia?
Minha vida inteira é meu dia inteiro
Meus dilúvios imaginários ainda faço no chuveiro!
Minha mochila de lanches?
É minha marmita requentada em banho Maria!
Minha mamadeira de leite em pó
É cerveja gelada na padaria
Meu banho no tanque?
É lavar carro com mangueira
E se antes um pedaço de maçã
Hoje quero a fruta inteira
E da fruta tiro a polpa... da puta tiro a roupa
Da luta não me retiro
Me atiro do alto e que me atirem no peito
Da luta não me retiro...
Todo dia de manhã é nostalgia das besteiras que fizemos ontem"

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

fragmento

"não saberiam definir a que espécie de quebrar interior se sujeitavam. mas sabiam que um ser humano jamais atravessa incólume o circulo magnético do outro. sabiam, mas sabiam também que, por condicionamento ou medo de verem periclitar a segurança fragilmente estruturada, atenuavam a carga de espanto oferecendo um cigarro ou perguntando se estava tudo bem. fingindo-se imperturbáveis, não seriam obrigados a reinventar cada encontro ou desencontro". (caio fernando)

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

cansei

dor de cabeça dor de garganta unhas roídas
comprei mais cigarros mas a idéia era parar
vou pintar as unhas pra ver se consigo não roer
de vermelho
os últimos cinco livros que eu comprei eu comecei
e deixei somente começados
estao lá: a serem lidos por inteiro
ou nunca
meu celular toca às vezes sou eu mesma que ligo
sabendo que aqueles seres nao sao os certos
mas oi tudo bom vai fazer o que mais tarde
vamo tomar umas cervejas fumar uns cigarros
vamo se divertirentrarpelamadrugada
vamo desafogar
baixo na internet discografias inteiras
com músicas que eu nunca vou descobrir porque nunca vou parar pra ouvir
ai, esse ritmo
pós-moderno hardcore pancadão
band on the run band on the run band on the run tocando sem parar
no replay
eu repito
a sextafeira se aproxima eu vou me distanciando
oi tudo bom vamo fazer o que mais tarde
e vai sendo assim e eu vou cantarolando e falando gíria e fingindo que abandono o que não me larga
eu tenho essa mania de dizer eu sou assim
que já foi acusada de forma muito pertinente de essencialismoselvagem
aí eu tento reinventar sabe
porque a gente tem sempre a possibilidadede né
reinventar-se ad infinitum
no fundo
aquele fundo bem essencialista]
é tudo balela
eu sinto
porque afinal eu sou assim
no final
pra não roer vermelho
pra nao fumar garganta
band on the run band on the run pra lá
o negócio agora é yamandú
aprender com os erros é o caralho
ninguém aprende com os erros
os erros se repetem as manias as fraquezas o eu sou
obstinada-mente
eu acerto once in a blue moon
e acerto?
cansei de estar longe de estar perto de
silêncios barulhos replays
cheguei a cansar de todas as músicas do mundo
de ter preguiça de mastigar ia dormir com fome
cansei das repetiçoes da pouca liberdade
toma meu sintoma fica
pra tu
faz bom proveito
joga fora
me joga fora
eu sou assim
repetitiva
entre paul e yamandú às vezes lenine
a dor de cabeça o sobrepeso a unha
os remédios os livros pelo começo
gastando dinheiro sorrindo pro espelho
me imaginando mais mulher mais gostosa
quando oi tudo bom umas cervejas
falando palavrão e espanto cativo
e me escondo quase me mostrando
quase que sou eu quase me confundo
e esqueço esqueço
e me atenho
e nada de aprender com os erros
ninguém aprende com erros
ou com a-certos
eu brincava de pete repete
pete repete pete repete
e lembro disso da infância
e lembro que eu era assim meio calada meio observadora
pete repete
qual era a dessa brincadeira mesmo?
ah eu ia dizendo
we never change, do we?

às vezes coldplay também

terça-feira, 15 de julho de 2008

vai
e pulsa, pulsa, pulsa
expulsa, impulso, puta, pulsa
pulsa, pulsa
pulsa, pulso, palma, linha
impõe, expõe, expulsa, espia,
bússola, estrela, guia,
pulsa, pulsa, pula, avia,
explora, implora e faz
à rebelia.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Carinho Triste

"a tua boca ingênua e triste e voluptosa
que eu saberia fazer sorrir em meio dos pesares
e chorar em meio das alegrias,
a tua boca ingênua triste
é dele
quando ele bem quer.

os teus seios miraculosos
que amamentaram sem perder
o precário frescor da pubescência
teus seios, que são como os seios intactos das virgens
são dele
quando ele bem quer.

o teu claro ventre, onde como no ventre da terra ouço bater
o mistério de novas vidas e de novos pensamentos
teu ventre, cujo contorno tem a pureza da linha do mar e céu ao pôr do sol
é dele
quando ele bem quer.

só não é dele a tua tristeza
tristeza dos que perderam o gosto de viver,
dos que a vida traiu impiedosamente.
tristeza de criança que se deve afagar e acalentar.
(a minha tristeza também!...)
só não é dele a tua tristeza, ó minha triste amiga!
porque ele não a quer"

quinta-feira, 22 de maio de 2008

diz alguma coisa

tu tás tão calado, em que é que tu tá pensando? fala alguma coisa. diz qualquer coisa - contanto que seja eu te amo, eu te quero aqui, tua ausência dói -, vai, que silêncio é esse? me fala aí o que tá passando na tua cabeça, me diz qualquer coisa que me ama que me ama que me ama.

silêncio.


que ditado mais idiota quem cala consente.
entender as verdades por trás dos silêncios é um tipo de dor diferente, difícil de acreditar, como se a única coisa real que existisse fosse a palavra. não, não pode ser, não consigo acreditar, peraí, esse silêncio não pode significar. me fala que eu preciso ouvir.

ridículo