segunda-feira, 13 de outubro de 2008

de ontem em diante

"De ontem em diante serei o que sou no instante agora
Onde ontem, hoje e amanhã são a mesma coisa
Sem a idéia ilusória de que o dia, a noite e a madrugada são coisas distintas
Separadas pelo canto de um galo velho
Eu apóstolo contigo que não sabes do evangelho
Do versículo e da profecia
Quem surgiu primeiro? o antes, o outrora, a noite ou o dia?
Minha vida inteira é meu dia inteiro
Meus dilúvios imaginários ainda faço no chuveiro!
Minha mochila de lanches?
É minha marmita requentada em banho Maria!
Minha mamadeira de leite em pó
É cerveja gelada na padaria
Meu banho no tanque?
É lavar carro com mangueira
E se antes um pedaço de maçã
Hoje quero a fruta inteira
E da fruta tiro a polpa... da puta tiro a roupa
Da luta não me retiro
Me atiro do alto e que me atirem no peito
Da luta não me retiro...
Todo dia de manhã é nostalgia das besteiras que fizemos ontem"

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

fragmento

"não saberiam definir a que espécie de quebrar interior se sujeitavam. mas sabiam que um ser humano jamais atravessa incólume o circulo magnético do outro. sabiam, mas sabiam também que, por condicionamento ou medo de verem periclitar a segurança fragilmente estruturada, atenuavam a carga de espanto oferecendo um cigarro ou perguntando se estava tudo bem. fingindo-se imperturbáveis, não seriam obrigados a reinventar cada encontro ou desencontro". (caio fernando)

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

cansei

dor de cabeça dor de garganta unhas roídas
comprei mais cigarros mas a idéia era parar
vou pintar as unhas pra ver se consigo não roer
de vermelho
os últimos cinco livros que eu comprei eu comecei
e deixei somente começados
estao lá: a serem lidos por inteiro
ou nunca
meu celular toca às vezes sou eu mesma que ligo
sabendo que aqueles seres nao sao os certos
mas oi tudo bom vai fazer o que mais tarde
vamo tomar umas cervejas fumar uns cigarros
vamo se divertirentrarpelamadrugada
vamo desafogar
baixo na internet discografias inteiras
com músicas que eu nunca vou descobrir porque nunca vou parar pra ouvir
ai, esse ritmo
pós-moderno hardcore pancadão
band on the run band on the run band on the run tocando sem parar
no replay
eu repito
a sextafeira se aproxima eu vou me distanciando
oi tudo bom vamo fazer o que mais tarde
e vai sendo assim e eu vou cantarolando e falando gíria e fingindo que abandono o que não me larga
eu tenho essa mania de dizer eu sou assim
que já foi acusada de forma muito pertinente de essencialismoselvagem
aí eu tento reinventar sabe
porque a gente tem sempre a possibilidadede né
reinventar-se ad infinitum
no fundo
aquele fundo bem essencialista]
é tudo balela
eu sinto
porque afinal eu sou assim
no final
pra não roer vermelho
pra nao fumar garganta
band on the run band on the run pra lá
o negócio agora é yamandú
aprender com os erros é o caralho
ninguém aprende com os erros
os erros se repetem as manias as fraquezas o eu sou
obstinada-mente
eu acerto once in a blue moon
e acerto?
cansei de estar longe de estar perto de
silêncios barulhos replays
cheguei a cansar de todas as músicas do mundo
de ter preguiça de mastigar ia dormir com fome
cansei das repetiçoes da pouca liberdade
toma meu sintoma fica
pra tu
faz bom proveito
joga fora
me joga fora
eu sou assim
repetitiva
entre paul e yamandú às vezes lenine
a dor de cabeça o sobrepeso a unha
os remédios os livros pelo começo
gastando dinheiro sorrindo pro espelho
me imaginando mais mulher mais gostosa
quando oi tudo bom umas cervejas
falando palavrão e espanto cativo
e me escondo quase me mostrando
quase que sou eu quase me confundo
e esqueço esqueço
e me atenho
e nada de aprender com os erros
ninguém aprende com erros
ou com a-certos
eu brincava de pete repete
pete repete pete repete
e lembro disso da infância
e lembro que eu era assim meio calada meio observadora
pete repete
qual era a dessa brincadeira mesmo?
ah eu ia dizendo
we never change, do we?

às vezes coldplay também

terça-feira, 15 de julho de 2008

vai
e pulsa, pulsa, pulsa
expulsa, impulso, puta, pulsa
pulsa, pulsa
pulsa, pulso, palma, linha
impõe, expõe, expulsa, espia,
bússola, estrela, guia,
pulsa, pulsa, pula, avia,
explora, implora e faz
à rebelia.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Carinho Triste

"a tua boca ingênua e triste e voluptosa
que eu saberia fazer sorrir em meio dos pesares
e chorar em meio das alegrias,
a tua boca ingênua triste
é dele
quando ele bem quer.

os teus seios miraculosos
que amamentaram sem perder
o precário frescor da pubescência
teus seios, que são como os seios intactos das virgens
são dele
quando ele bem quer.

o teu claro ventre, onde como no ventre da terra ouço bater
o mistério de novas vidas e de novos pensamentos
teu ventre, cujo contorno tem a pureza da linha do mar e céu ao pôr do sol
é dele
quando ele bem quer.

só não é dele a tua tristeza
tristeza dos que perderam o gosto de viver,
dos que a vida traiu impiedosamente.
tristeza de criança que se deve afagar e acalentar.
(a minha tristeza também!...)
só não é dele a tua tristeza, ó minha triste amiga!
porque ele não a quer"

quinta-feira, 22 de maio de 2008

diz alguma coisa

tu tás tão calado, em que é que tu tá pensando? fala alguma coisa. diz qualquer coisa - contanto que seja eu te amo, eu te quero aqui, tua ausência dói -, vai, que silêncio é esse? me fala aí o que tá passando na tua cabeça, me diz qualquer coisa que me ama que me ama que me ama.

silêncio.


que ditado mais idiota quem cala consente.
entender as verdades por trás dos silêncios é um tipo de dor diferente, difícil de acreditar, como se a única coisa real que existisse fosse a palavra. não, não pode ser, não consigo acreditar, peraí, esse silêncio não pode significar. me fala que eu preciso ouvir.

ridículo

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Para uma avenca partindo

"Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? Olha, falta muito pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme dessas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando meu raciocínio? Falava do mais fundo, desse que existe em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs, não, não sei porque todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensado nisso, por favor, não me interrompa, realmente não sei, existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor pensei sim, não, pensar propriamente dito não, mas eu sabia, é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além das nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, eu dentro de você, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você sabe que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, é, eu não falaria, uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viveras superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço, claro, claro que eu compro uma revista pra você, eu sei, é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir, por favor, me ajuda, senão vai ser muito tarde, daqui a pouco não vai mais ser possível, e se eu não disser tudo não poderei nem dizer e nem fazer mais nada, é preciso que a gente tente de todas as maneiras, é o que estou fazendo, sim, esta é minha última tentativa, olha, é bom você pegar sua passagem, porque você sempre perde tudo nessa sua bolsa, não sei como é que você consegue, é bom você ficar com ela na mão para evitar qualqueratraso, sim, é bom evitar os atrasos, mas agora escuta: eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tardes, ou manhãs, não importa a cor, é, a cor, o tempo é só uma questão de cor não é? Por isso não importa, eu queria era te dizer dessas vezes em que eu te deixava e depois saía sozinho, pensando também nas coisas que eu não ia te dizer, porque existem coisas terríveis, eu me perguntava se você era capaz de ouvir, sim, era preciso estar disponível para ouvi-las, disponível em relação a quê? Não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo, disponível só, não é uma palavra bonita? Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Dolorido-colorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender, melhor, claro que eu dou um cigarro pra você, não, ainda não, faltam uns cinco minutos, eu sei que não devia fumar tanto, é eu sei que os meus dentes estão ficando escuros, e essa tosse intolerável, você acha mesmo a minha tosse intolerável? Eu estava dizendo, o que é mesmo que eu estava dizendo? Ah: sabe, entre duas pessoas essas coisas sempre devem ser ditas, o fato de você achar minha tosse intolerável, por exemplo, eu poderia me aprofundar nisso e concluir que você não gosta de mim o suficiente, porque se você gostasse, gostaria também da minha tosse, dos meus dentes escuros, mas não aprofundando não concluo nada, fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem pensar definidamente e nada, mas não, não é isso, eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um diadestes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas, espera um pouco, eu vou te dizer de todas as coisas, é por isso que estou falando, fecha a revista, por favor, olha, se você não prestar muita atenção você não vai conseguir entender nada, sei, sei, eu também gosto muito do Peter Fonda, mas isso agora não tem nenhuma importância, é fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo, sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem, está bem, eu espero aqui do lado da janela, é melhor mesmo você subir, continuamos conversando enquanto o ônibus não sai, espera, as maçãs ficam comigo, é muito importante, vou dizer tudo numa só frase, você vai ......... ............ ............. ............ .......... ........... ............. ............ ............ ............ ......... ........... ............ ............ sim, eu sei, eu vou escrever, não eu não vou escrever, mas é bom você botar um casaco, está esfriando tanto, depois, na estrada, olha, antes do ônibus partir eu quero te dizer uma porção de coisas, será que vai dar tempo? Escuta, não fecha a janela, está tudo definido aqui dentro, é só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malas e as botas, fica tranqüila, esse velho não vai incomodar você, olha, eu ainda não disse tudo, e a culpa é única e exclusivamente sua, por que você fica sempre me interrompendo e me fazendo suspeitar que você não passa mesmo duma simples avenca? Eu preciso de muito silêncio e de muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer quê".

segunda-feira, 12 de maio de 2008

"Eu vou deixar que morra em mim
O desejo de amar teus olhos que são doces
Porque nada poderei te dar
Senão a mágoa de me veres eternamente exausto

No entanto, a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto
E em minha voz, a tua voz

Não te quero ter
Porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero que só surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado

Eu deixarei,
tu irás e encostarás tua face em outra face,
teus dedos enlaçarão outros dedos,
e tu desabrocharás para a madrugada.

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu
Porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei a minha face na face da noite
E ouvi sua fala amorosa

Porque os meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até a mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos

Mas eu te possuirei mais do que ninguém, porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, dos céus, das aves, das estrelas
Serão a tua voz ausente,
A tua voz presente,
A tua voz serenizada".